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Gilead é um romance epistolar, escrito por um pastor em seus setenta anos para um filho que é jovem demais para receber toda a sabedoria que um velho deseja compartilhar. Assim, o reverendo Ames escreve a seu filho uma longa carta que abrange episódios importantes da história da família, resumos de sermões importantes, advertências práticas para a vida cotidiana, digressões sobre temas de interesse teológico e muitas expressões de afeto pessoal.

Ames escreve para compartilhar com o filho de sua velhice “coisas que teria lhe contado se você crescesse ao meu lado”, com o objetivo de deixar “um testamento razoavelmente cândido dos meus melhores sentimentos”.

O ministro não está isento de falhas, é claro, incluindo algumas que ele abertamente reconhece (como sua cobiça ou suas dificuldades em amar as pessoas que ele é chamado a pastorear), e algumas que são visíveis apenas para o leitor (seu racismo, por exemplo, como revelado em sua rejeição por parte de uma congregação negra que deixou Gilead após seu prédio ter sido destruído por um incêndio criminoso).

No entanto, Ames também dá testemunho de seus “melhores sentimentos”. Ele é um homem admirável cujo ministério sustenta muitos dos mais elevados ideais do ministério do evangelho. Assim, Gilead apresenta um dos retratos mais positivos do ministério pastoral na literatura.

Ministério e os meios da graça

O pastorado de Ames é um ministério da Palavra, sacramentos e oração. Ele entende o ministério primeiramente em termos de pregação. No início do romance, descobrimos que todas as anotações antigas de seus sermões estão guardadas no sótão. “Praticamente o trabalho de toda a minha vida está naquelas caixas”, diz. Ames estima que, levando em conta uma média de pelo menos 50 sermões por ano durante 45 anos, deve haver 2.250 sermões ao todo. Juntos, somam mais de 67.000 páginas, o que faz ele supor que tenha escrito tanto quanto Agostinho ou Calvino. Com um sentimento de satisfação legítima, não orgulho ímpio, Ames pode testemunhar que cada um desses sermões foi pregado com convicção genuína, pois acreditava que “um bom sermão é um dos lados de uma conversa apaixonada”.

Em momentos oportunos de sua carta, o ministro relata o principal argumento de um de seus sermões. A partir desses resumos homiléticos, percebemos seu prazer em trabalhar com os detalhes de um texto bíblico, bem como sua tendência de interpretar as Escrituras parcialmente através das lentes da experiência e da reflexão.

Ames é um ministro do sacramento, bem como da Palavra. Seu senso de mistério sacramental foi despertado na infância quando seu pai lhe trouxe um biscoito coberto de cinzas das ruínas de uma igreja que havia sido atingida por um raio ─ um incidente que considera como sendo sua primeira comunhão. Mais tarde, passou a considerar o sacramento da Ceia do Senhor como um testemunho da unidade do corpo de Cristo, mostrando que a igreja em qualquer lugar é parte da igreja em todos os lugares. Como passou praticamente toda a sua vida em um remanso cultural, sua experiência de igreja é protegida e paroquial… “a não ser pelo fato de que é realmente uma vida universal e transcendente; a não ser pelo fato de que o pão é o pão, e o cálice é o cálice, onde quer que seja, em quaisquer circunstâncias, coisa em que acredito piamente”.

Imagens de batismo são recorrentes em Gilead. Para Ames, a própria água parece ser milagrosa, e episódios fundamentais do romance ocorrem enquanto está chovendo ou alguma outra afusão reluzente. Ames recorda o batismo de Lila, que mais tarde se tornou sua esposa, com uma sensação de mistério e maravilhamento sagrado (“O que foi que fiz? O que significa isso?”). Ele também se lembra dos muitos recém-nascidos que batizou, “aquela sensação da testa de um bebê encostada na palma da nossa mão ─ como amei essa vida!”. Ele considera o batismo uma verdadeira bênção, na qual a água estabelece uma conexão elétrica entre o pastor e seu paroquiano, operando como um “veículo do Espírito Santo”.

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Pastor em oração

O ministério de Ames é, acima de tudo, uma vida de oração. “Eu oro o tempo todo”, ele afirma, e isso não se mostra como uma ostentação inútil. Gilead está repleto de orações de súplica. Pastoreando durante duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão, Ames muitas vezes orava por “coisas bem assustadoras” que seu povo estava enfrentando. Várias seções da carta terminam mencionando assuntos que exigem mais oração, e o ministro às vezes deixa de escrever sua carta para ir orar.

À noite, Ames caminha pelas ruas de Gilead e ora pelas pessoas em suas casas: “Imaginava a paz, pela qual não estavam esperando e com a qual não podiam contar, descendo sobre a sua doença, a sua briga ou os seus sonhos. Depois, ia para a igreja e orava mais um pouco, esperando pela luz do dia”. As orações do pastor são um meio de graça para o povo de Deus. Suas últimas palavras (também a frase final do romance) formam um epitáfio apropriado: “Vou orar e, depois, vou dormir”.

Para reflexão ou discussão:  A Palavra, os sacramentos e a oração são fundamentais para o ministério de qualquer igreja. Que prioridade relativa essas práticas têm em sua própria congregação? Que experiências na vida ou no culto o ajudaram a ter uma compreensão mais profunda dos mistérios do batismo e da Ceia do Senhor? Como a participação no ministério o ajudou a crescer na vida de oração?

Traduzido e revisado por Jonathan Silveira.

Texto original: Positive Portrayal of the Pastorate. The Gospel Coalition.

Philip Ryken é doutor em teologia histórica pela Universidade de Oxford e presidente do Wheaton College Seminary. Foi pastor da igreja Tenth Presbyterian Church, na Filadélfia, e escreveu mais de cinquenta livros, como "As doutrinas da graça", "Rei Salomão: as tentações do dinheiro, sexo e poder" e "Amar como Jesus ama", publicados por Vida Nova.
Gilead é o segundo romance de uma das mais brilhantes autoras americanas contemporâneas, que compõe com sua escrita um bordado ao mesmo tempo sutil e avassalador — certamente um desafio a uma tradução tão primorosa como essa, de Maria Helena Rouanet.

Esse livro é uma declaração de amor incondicional à vida, mesmo assombrada por Deus e um lamento por sua brevidade. Aclamado pela crítica e pelo público, foi o vencedor do Pulitzer de 2005.

Gilead foi acalentado pela autora e aguardado por seus leitores durante 24 anos. Tem, em suas páginas, a dimensão de obra que atingiu a maturidade plena e nos conduz à nossa própria plenitude.

Publicado por Vida Nova.

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