Em cada escavação arqueológica em que foram encontrados vestígios do reino de Judá em meados dos séculos VIII e VII, foram achadas pequenas estatuetas femininas. Neste artigo, George Heath-Whyte procura descobrir o que seria essas figuras e qual foi o seu objetivo.
Essa estatueta feminina, um tanto abstrata (veja a figura 1), foi encontrada na década de 1930 no sítio de Tell ed-Duweir, a antiga cidade de Laquis em Judá. Feita de argila, ela possui uma altura de 18 cm. A cabeça que foi unida ao corpo logo após a escavação, havia sido moldada separadamente da base e é composta por uma peruca de estilo egípcio, por olhos penetrantes e por um leve sorriso. Originalmente, a estatueta teria sido pintada com cores mais vibrantes, porém, atualmente, ela se encontra desbotada. Inclusive, isso já era realidade desde o oitavo ou sétimo século a.C quando havia sido soterrada.
Infelizmente, não é possível sabermos o local exato onde ela foi encontrada, pois não há registros sobre isso. No entanto, há uma possiblidade de que ela tenha sido retirada de uma tumba, onde foram achados quatro pilares do sexo feminino, bem semelhantes entre si, juntamente com alguns chocalhos musicais e algumas outras imagens retratando um cavaleiro em cima do cavalo, algum tipo de animal e desenhos de pássaro, além de uma seleção de cerâmica. Com isso, este artefato (fig 1) não foi o único elemento recém descoberto.
Figure 1: Uma estatueta feminina escavada em Tell El-Duweir (antiga cidade de Laquis, Judeia)
É fato, de que em todos os sítios arqueológicos (montes formados por povoações antigas) onde foram escavados os vestígios do reino de Judá (no período de 2Reis e 2Crônicas) nos séculos VIII e VII, pilares, como estes, apareceram. Alguns, como na figura 1, têm cabeças moldadas, outras, são mais rudimentares, com as cabeças formadas com apertões das mãos do seu autor, pressionando o barro na parte superior da estatueta (Veja a figura 2). Mas mesmo diante dessas diferenças, há certos pontos em comum, como por exemplo, as formas cilíndricas que lhe são características, as bases largas e os seios com braços curvos para baixo são boas evidência de semelhanças. Esta semelhança levou os arqueólogos a darem, a este tipo de artefato, uma sigla, a saber: JPFs (Figuras de pilares judaicos ou judaitas).
Figura 2: Um exemplo de estatueta com cabeça de barro apertada, também proveniente da região de Laquis.
Mas o que são essas Figuras de pilares judaicos (JPFs)? Seriam retratos de entes queridos? Objetos coloridos para colocar na lareira? Talvez pudesse ser uma espécie de boneca da Barbie antiga? Ou elas serviam para questões religiosas, um tipo de deusa? A resposta para essas perguntas é frustrante, pois, simplesmente não sabemos, ou pelo menos, não temos certeza. Isso se dá, pois, não há textos que nos ajude com a definição. Inclusive, a maior parte delas não foi escavada nos locais onde inicialmente haviam sido colocadas e utilizadas. Também, foram encontradas partidas em diversos lugares como, por exemplo, amontoadas no lixo, no chão das casas ou até reutilizadas como material de construção. Portanto, o local de origem bem como a sua utilidade, continuam incertos.
A maioria dos estudiosos não acreditam que essas figuras, provavelmente, foram utilizadas como bonecas de brinquedo. É pouco provável que os brinquedos do mundo antigo fossem tão semelhantes entre si como são às Figuras de pilares judaicos (JPFs). Além disso, esses pilares são bastante frágeis e parecem ter sido produzidos de forma a ficarem encostados em alguma coisa, como um móvel ou uma parede. Nesse sentido, por questões óbvias elas não seriam utilizadas como brinquedos.
Não há possibilidade dessas figuras serem consideradas como imagem de entes queridos ou de qualquer outra mulher que se encontrava viva ou morta naquela época. As semelhanças dos pilares sugere que não são retratos tal como entendemos atualmente. Da mesma forma, a capacidade criativa no contexto do Oriente Próximo, descarta a possibilidade de serem objetivos meramente decorativos. Fazer uma representação de algo é uma maneira de torná-lo presente e acessível por meio de sua representação. Isso significa, portanto, que mesmo não sabendo ao certo as razões pelas quais essas imagens haviam sido produzidas, elas tinham um poder de significado muito mais relevante do que um simples retrato moderno.
A opinião da maioria dos acadêmicos é de que essas Figuras de pilares judaicos (JPFs) desempenhavam algum tipo de função religiosa. O argumento central é que se tratava de imagens ligadas às deusas, que provavelmente eram colocadas em santuários dentro das casas ou em outros locais, onde lhes eram feitas oferendas. Alguns estudiosos propõem que a estatueta representa Astarote, uma deusa que foi adorada por Salomão, ou Asherah, uma deidade frequentemente associada aos israelitas. Outros a relaciona aos Terafins, ou seja, as deusas domésticas, mencionadas em textos bíblicos. Além disso, há interpretações sugerindo que os artefatos não eram representações de deusas, mas sim figuras semidivinas que ou protegiam e afastavam os fiéis do mal, ou eram objetos usados em rituais de exorcismo para absorver doenças ou maldições. Embora a identidade exata e o propósito dessas figuras permaneçam incertos, geralmente concorda-se que elas estavam ligadas às crenças e práticas religiosas da época.
Para quem já leu o Antigo Testamento, certamente se lembrará de que o povo de Judá, naquela época, ou possuíam imagens de uma deusa em suas casas ou utilizavam-se delas para praticarem os rituais de magia. Afinal de contas, foi por causa dessas práticas que os profetas avisaram da ira de Deus sobre o seu povo (por exemplo, Isaías 44.9-20). O rei Josias (641-609 a.C.) tentou livrar Judá da idolatria, eliminando “os médiuns, os necromantes, os deuses domésticos, os ídolos e todas as abominações que se viam na terra de Judá e em Jerusalém” (2Reis 23.24). Mas o relacionamento do povo com essas figuras persistiu para tanto no reinado de Josias, quanto nos reinos posteriores de fato, só após o exílio de Judá na Babilônia, é que estas figuras desapareceram dos registos arqueológicos.
Notas
Figure 1, Nude female figure, ca. eighth–seventh century BC. The Metropolitan Museum of Art, 34.126.53. Public Domain.
Figure 2, Pottery pillar figurine, 1980,1214.16710 © The Trustees of the British Museum (CC BY-NC-SA 4.0).
George Heath-Whyte é pesquisador Associado do Antigo Testamento e do Antigo Oriente Próximo na Tyndale House |
Texto original: Artefact in focus: Judaean Pillar Figurines. Tyndale House Cambridge. Traduzido por Gedimar Junior e publicado no site Cruciforme com permissão. |
1 Comments
Leio esse artigo pensando muito no assunto dos Profetas Menores em relação a Idolatria praticada em Judá antes do Exílio, leio também muitos artigos do Tyndale House de Cambridge, ampliar esse pensamento a combinação contexto + passagem Bíblica na verdade serve como um pensamento bem uniforme e a arqueologia somente veio ajudar.