Logan – Dois lobos | Silas Chosen

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O Wolverine é um daqueles personagens que alcançou mais do que popularidade. Ele é um ícone. Junto com o Homem-Aranha e o Quarteto Fantástico, o mutante bad-boy é um dos maiores expoentes das HQs da Marvel. Junto com o Justiceiro e representantes das concorrências, como Spawn ou Lobo, ele unia um comportamento irresponsável e agressivo com um jeitão solitário, trazendo ainda uma ética sempre questionável e métodos de extrema violência. Um prato cheio para os fãs de quadrinhos dos anos 80 e 90. Não só isso, ele esteve lá no início do gênero de filmes de super-heróis. E diferente do Cabeça-de-Teia, ele nunca teve um baita “filmão excelente”. Filmes em que tinha algum tipo de protagonismo sempre foram “ok” ou regulares, sem falar do vexatório com X-Men Origens – Wolverine. Foi depois de 17 anos interpretando o personagem que o excelente Hugh Jackman conseguiu achar uma história merecedora de sua entrega, mais ainda do que a maioria das aventuras cheias de pose e sangue do Wolverine anos 90. E dessa vez é mais do que simplesmente um “baita filmão”.

Logan começa num futuro onde não há mais mutantes. De alguma forma, os heróis perderam. Wolverine, antes um verdadeiro guerreiro, agora dirige um Uber pelas noites do sul dos EUA tentando juntar dinheiro. Em casa, mantém a salvo o Professor Xavier, novamente papel de Patrick Stewart, sofrendo com Alzheimer e com convulsões devastadoras. Os antigos X-Men nāo existem mais. Nesse cenário bem desgraçado, Logan luta com mais do que os já tradicionais fantasmas do passado. Nāo só tem a mente mais poderosa do mundo perdendo o controle bem no seu quintal, mas o seu fator de cura está perdendo o prazo de validade. Cansaço, dor e cicatrizes cobrem seu corpo, e beber para esquecer é quase uma necessidade. E aí uma garota de 11 anos entra na vida deles. Laura é uma mutante com os mesmos poderes e as mesmas “habilidades sociais” que Wolverine e está sendo perseguida por um grupo de cientistas que querem erradicar ou controlar os últimos mutantes. Xavier quer ajudá-la, e Logan, naturalmente, quer distância de problemas. Os três acabam iniciando uma road trip para levar a menina a um abrigo.

A semelhança mais imediata, até pelo visual dos protagonistas, é com o excelente game The Last of Us. Um brucutu tem que levar uma garota até uma distância num cenário de futuro trágico. Semelhante também a Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón, uma visão ecológica e sociopolítica bem crônica do futuro, emulando acuradamente algumas questões do presente como imigração e distanciamento emocional. E mesmo seguindo de perto certos trends, Logan tem uma aura de originalidade, talvez pelas suas referências diretas serem bem menos óbvias para filmes de super-heróis. Filmes como Pequena Miss Sunshine foram parte da aquarela do diretor James Mangold, mas muito mais aberta e diretamente, o faroeste SHANE – os Brutos Também Amam, dita os temas e a ideia que guiam Logan. Um assassino tentando mudar de vida quando seu passado vem lhe cobrar. Um cara no fim da vida que olha para trás e só tem arrependimentos.

E o que eleva Logan para um patamar diferente de outros filmes de super-heróis é esse peso, a maturidade emocional dos personagens. Logan desistiu de tudo porque tudo o que tocou durante a vida já morreu ou já tentou matá-lo. Xavier precisa carregar o fato de que aquela que foi a mente mais poderosa do mundo está definhando com Alzheimer. No meio de todo esse desespero, Xavier vê uma oportunidade para Logan resgatar um pouco de sua humanidade ajudando Laura. O professor está mais interessado em salvar a alma do último de seus alunos do que em salvar o mundo. Empurra Logan para a jornada de dor e fúria, enquanto aponta para algo que Logan esqueceu: como ser parte de família. E como isso fez falta.

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O filme também quer mostrar, melhor do que nunca, a dualidade do Wolverine. Dentro dele tem um ser humano honesto e amável que quer fazer a coisa certa e essa é a parte que tem medo e arrependimentos. Mas também tem uma máquina de matar terrível, obra de experiências, abuso e um pouco de genética. A parte que Logan quer matar e quer que Laura aprenda a enterrar. Sua vida toda, Logan teve que equilibrar os dois, o que criou morte para todo o lado. O filme joga isso tanto com a aversão que Logan tem de suas obrigações (a resposta que tem para tudo é fugir) quanto na escolha para o antagonista principal. Talvez seja até um pouco óbvia a escolha, e incomodaria alguns pelo sentimento de “já vi esse conceito antes”, mas, neste filme, quem Logan tem que derrotar é o Wolverine.

E em momento algum a premissa deixa a peteca cair. Como em nenhum outro filme da saga, aqui tudo funciona, especialmente a história. Efeitos, personagens e atores estão no topo da qualidade, com destaque especial para Patrick Stewart, que consegue talvez criar o momento mais trágico e impiedoso – talvez de todos os filmes baseados em HQs. Há também um destaque especial para Laura, papel da iniciante Dafne Keen, que faz um trabalho surpreendente. Ela é também uma pessoa furiosa que não tem lugar no mundo e cuja resposta para a maior parte dos problemas resulta em muito sangue. A atriz rouba todas as cenas em que aparece, aliviando os produtores da Fox, que podem descansar agora que sabem com quem fazer a sequência.

Logan, o filme, finalmente triunfa onde muitos outros falharam. E a resposta foi simplesmente fazer Logan olhar para dentro com algum grau de sinceridade. Todo mundo tem dois lobos dentro de si, lutando um contra o outro, diz o ditado. E, como normalmente funciona a metaforização de filmes pop, temos os dois lobos lutando na tela, bem literalmente. O lobo olha para si e vê uma vida de desastre, mas tem alguém que olha para ele e vê um pai.

É um filme doído, muito mais adulto do que se espera vindo de um personagem que usava collant amarelo. E é um filme que vai crescer ao longo do tempo, quando quase não lembrarmos mais do herói que foi Hugh Jackman todos esses anos. E do herói que é Wolverine. Talvez melhor até do que a HQ que inspira o filme diretamente, este é um filme sobre o lobo que decidimos alimentar e sobre não ser o que fizeram de nós, o outro lobo.

Silas Chosen é roteirista, cineasta, publicitário, ilustrador e é viciado em cinema e histórias. Escreve para sites e programas de rádio sobre cinema, cultura pop e cristianismo desde 2004. Faz parte da 4U Films, ministério de cinema independente.

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